
ARTEMÍDIA URBANA
Reflexão e Análise Perceptiva da Parada Inglesa
4. MEMÓRIA CARTOGRÁFICA DA PARADA INGLESA
Os documentos do século XVIII e XIX, conservados no Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, permitem que se tenha uma visão do que seria a região norte da cidade de São Paulo (fig. 18), com ar provinciano de modestas suas casas de taipas em distâncias esparsas, suas chácaras e roças. (Torres, 1970, p. 23)
Com a proclamação da República, em 1889, quase todos os donos de chácaras da cidade de São Paulo mandaram abrir ruas, avenidas, alamedas e largos em suas terras. A cidade desenvolvia em diferenças flagrantes entre o seu núcleo central e seu entorno: construções realizadas sem planejamento, ausência de infraestrutura e saneamento básico, aliado à um crescimento demográfico de aproximadamente 64.934 habitantes em 1890 para 239.434 em 1900 (Vilar, 2007).
A ocupação urbana se mostra indissociável das características geomorfológicas da região e da conformação dos cursos d´água, que permitem compreender do ponto de vista histórico a consolidação e da expansão da cidade de São Paulo. As planícies alagáveis às margens dos rios favoreceram a implantação de linhas férreas dentre elas o Tramway da Cantareira.
A E. F. da Cantareira linha começou como um ramal da E. F. Sorocabana, aberto em 1893 partindo da Rua João Teodoro, para transporte de materiais que seriam utilizados na construção da Adutora Cantareira. O estudo da estrada de ferro, deve defini-la como uma estrutura histórica, capaz de informar o desenvolvimento e o progresso tecnológico, alcançado por uma cidade, através dela. (Garcia, 1989, p.290. in: Vilar, 2007).
No mapa do Município de São Paulo de 1913 (fig. 19), podemos observar o detalhe de “Planta do Districto de Paz de Sant´Anna - Escala 1:20.000”, a intenção projetual do “Caminho da Corôa” saindo da região do Tietê em direção ao Carandirú (conforme legenda do mapa: zona em construção e ruas projectadas).
Podemos destacar o ramal da E. F. da Cantareira (linha de eixo no centro do mapa) da Cantareira e uma bifurcação à direita para o Caminho do Carandiru alinhado à Est. para o Guapira (Hospital de morpheticos e Asylo de Mendicidade). Entre ambos, temos a presença do córrego Cabuçu e seus veios d´água.
Certos fatores negativos dificultarão o desenvolvimento do bairro de Santana, não obstante sua localização além-Tietê, em altitude elevada, gozando de excelente clima. A princípio, o problema permanente de transportes por caminhos quase intransitáveis em pequenas pontes que atravessavam o rio, a instalação do Hospital e do Cemitério para vítimas da varíola, depois, a de um hospital dos Lázaros, no Guapira no começo do século XX – explicáveis numa época em que tais terrenos eram considerados afastados da cidade e não criavam condições favoráveis à instalação de novos moradores. (Torres, 1970, p. 78).
No mapa de 1913, está registrado textualmente a inauguração da Railway dia 16 de fevereiro de 1887 (pouco legível) porém não há a presença da estação intermediária do Tucuruvi (inaugurada em 1913).
Já no mapa de 1916, temos menos informações da região norte da cidade de São Paulo. O mapa inclusive suprime o “Quartel Federal”, antiga sede da fazenda de Sant´Anna construído de grossas taipas que permanecerá de pé até 1916 e destruído para a construção do Quartel do Exército.
A sede da fazenda que pertencera aos jesuítas e serviu de residência aos Andradas no período do Império, passará no século XIX, sucessivamente, de Núcleo Educacional e de assistência social, a Hospital e Cemitério de variolosos e a Colônia de Imigrantes. (Torres, 1970, p. 73)
Segundo Torres (1970, p.73-74): “Antigos moradores de Santana lembram-se ainda de uma magnífica árvore – uns referem – se a uma paineira, outros a uma figueira – cujo tronco ‘dez homens juntos não abraçavam'’, e à sombra da qual, segundo teriam ouvido de seus pais, D. Pedro II, em visita ao velho casarão, costumava descansar” (fig. 20).
Na imagem (fig 21), datada de 1880, Dom Pedro II e sua comitiva atravessam a Ponte Grande, sobre o rio Tietê. O pequeno povoado do planalto de Piratininga ultrapassou a barreira natural representada pelo Rio Tietê. A Ponte Grande em ferro fundido sobre pilares de pedra, acompanhou o crescimento da cidade para além do bairro da Luz.
Numa análise gestáltica, o estágio da primeira dimensão, a concepção espacial limita-se ao simples desenho de linhas. Não há especificação de forma, apenas entidades descorporificadas, definidas por sua localização relativa, e foi desenhado um limite do perímetro suburbano (em destaque na fig. 22). A região estudada está identificada como um não-lugar no mapa no quadrante L.

Figura 18 – Chácara em taipa de pilão (sem data/provavelmente XVII e XIX na região norte de São Paulo)

Figura 19 – Detalhe do mapa do Município de São Paulo de 1913.


Figura 21 – Imperador D. Pedro II e sua comitiva atravessando a Ponte Grande sobre o Rio Tietê
Fonte: Foto de Militão Augusto de Azevedo (1880).
Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/103019910204240702/
Figura 22 – Sobreposição dos mapas de 1913 e 1916.
Fonte: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas/1913.jpg
http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas/1916.jpg
(imagens sobrepostas e modificadas pela autora).

“Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras…”
(CALVINO,1997, p.14).